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Gestão terceirizada é alternativa para quem não tem tempo de cuidar da propriedade ou não está satisfeito com os resultados e quer aumentar o lucro

Como você se sentiria ao entregar as chaves da porteira da sua propriedade para um gestor terceirizado tomar conta? Aliviado ou apreensivo? Passar as rédeas da administração requer, antes de tudo, confiança no profissional, além de um contrato bem elaborado. Livrar-se das obrigações – e chateações – que toda fazenda dá, ter tempo para dedicar- -se a outros afazeres e ainda receber os rendimentos da atividade pode parecer tentador, mas é preciso atenção. Em jogo não está apenas a rentabilidade do negócio, mas a manutenção da propriedade em si, incluindo os cuidados com pastagens, maquinário, instalações, benfeitorias etc. Esse modelo de gestão ainda engatinha por aqui, mas já há quem enxergue nele uma alternativa para tocar o negócio e fazê-lo crescer.

Mas, afinal, o que a gestão terceirizada oferece e a qual perfil de produtor ela mais se adequa? Segundo André Aguiar, da Boviplan Consultoria, de Piracicaba, SP, o gestor que assume o controle da fazenda fica responsável por cuidar de tudo o que envolve o seu dia a dia, dentro e fora da porteira. Dos assuntos mais burocráticos às situações mais corriqueiras. “O sistema de produção, o fluxo de caixa, problemas judiciais, toda a parte ambiental. Se precisa contratar um novo funcionário ou um serviço terceirizado. O produtor não precisa se preocupar com nada. É uma gestão completa”, afirma. O consultor explica que tudo começa com uma espécie de “inventário” da fazenda, de modo a conhecer sua realidade, em que é preciso investir e qual a receita esperada.

Esse trabalho é minucioso e envolve o levantamento preciso do número de animais – nem toda fazenda tem esse controle –, e da área útil de pastagens, descontadas as “áreas perdidas”, como grotas, igarapés e áreas de pedra, por exemplo. A condição das pastagens é analisada para se certificar se estão em bom estado ou com a presença de invasoras. A partir desse diagnóstico, toma-se a decisão se é necessária reforma ou se basta a recuperação. “Assim conhecemos a real capacidade de suporte da propriedade e projetamos o rebanho”, informa Aguiar. As cercas são percorridas para saber se precisam de algum tipo de manutenção ou devem ser refeitas. Cochos e coberturas também são vistoriados. Da mesma forma, benfeitorias, máquinas e equipamentos passam por um pente fino.

“A partir daí elaboramos um orçamento anual onde será vendido e qual a previsão de faturamento”, diz. Esse planejamento é então submetido ao proprietário da fazenda para sua aprovação ou ajustes. “Uma vez aprovado, é responsabilidade do gestor colocar o orçamento em prática”, explica. Sobre esse aspecto, há uma diferença marcante entre o papel do gestor e o trabalho desempenhado por uma consultoria, o qual Aguiar, que também é consultor, faz questão de ressaltar. “O consultor indica o que e como deve ser feito, mas a decisão final é do produtor. Já o gestor indica o quê, como fazer, vai e faz. Tem 100% de autonomia”.

Vale a pena?

Em que circunstâncias vale a pena terceirizar a gestão? Para Aguiar, é preciso levar em conta as demandas de quem administra a propriedade. Há produtores que têm mais de uma atividade e, por isso, não conseguem dedicar o tempo que a fazenda exige no seu dia a dia. Outros, por sua vez, tem disponibilidade para gerir o negócio e, mesmo obtendo retorno financeiro, não estão satisfeitos com os resultados e, por isso, buscam terceirizar a administração para aumentar os lucros. Algumas empresas se encaixam nesse perfil. Antes de optar pela terceirização, no entanto, o gestor recomenda que o produtor ou a empresa que esteja à frente da propriedade coloque os números sobre a mesa e se questione: a gestão terceirizada trará retorno financeiro maior do que estou conseguindo com a fazenda em minhas mãos?

Passar as rédeas do negócio para um gestor tem seu preço e requer cuidados. De acordo com Aguiar, o custo da empreitada envolve, normalmente, um valor fixo, cujo cálculo varia de propriedade para propriedade, de acordo com os rendimentos da fazenda, além de um variável sobre o resultado positivo alcançado. É sobre esta última forma de remuneração que o produtor precisa redobrar sua atenção. Aguiar explica que é muito comum empresas de gestão terceirizada deixarem de lado despesas de manutenção da propriedade para lucrar mais no final do ciclo (ano/safra) e, com isso, aumentar seus dividendos. “Por isso é importante colocar uma cláusula no contrato em que a empresa é obrigada a manter a qualidade da infraestrutura da fazenda, o que inclui desde casas de funcionários, currais, máquinas, equipamentos e cercas até pastagens limpas”.

Há outro ponto a se atentar: a valoração do rebanho. A exemplo do descuido com a infraestrutura, a redução do plantel também pode estar por trás do balanço positivo. “Tem que determinar se a variação do gado entra para o cálculo do lucro. Caso contrário, em vez de manter ou aumentar o número de animais, que é o patrimônio da propriedade, o gestor reduz o rebanho para aumentar o lucro”, alerta. Evidentemente, variações podem ocorrer em virtude de decisões estratégicas. “Se a relação de troca está apertada, posso comprar garrotes no lugar de bezerros e, assim, diminuir o número de animais comprados ou posso estar com problemas na pastagem e ser obrigado a vender parte do gado para passar a seca. Mas isso tem que ser muito bem alinhado com o proprietário”, afirma.

E para aqueles produtores que vivem exclusivamente da fazenda, não têm como fazer esse tipo de investimento ou, ainda, não se veem longe da lida, despidos de chapéu e botina, será que dá para incorporar um modelo de gestão parecido? Para o gestor, é plenamente possível encontrar um meio termo, mas depende da mudança de postura do proprietário em relação ao modo como administra a fazenda. Os indicadores econômicos precisam necessariamente ser compartilhados. “Na maioria dos casos o produtor contrata uma consultoria para tomar conta apenas da produção. Daí, o consultor não consegue auxiliar no todo, tomar a decisão mais acertada, porque não tem em mãos os dados zootécnicos e o balanço financeiro do negócio”.

Levantamento do número exato de animais da propriedade é um dos primeiros passos

Essa ausência de dados pode ser por opção do produtor, mas não raro revela uma dificuldade pura e simples de lidar com os números, falha recorrente nos modelos tradicionais de gestão das propriedades. “Muitos produtores não controlam os números porque têm medo de ver o resultado final”, diz. Como são, em boa parte das vezes, apaixonados pelo que fazem, é natural misturarem a conta particular com a da fazenda na tentativa de corrigir eventuais balanços negativos, o que impede uma visão mais clara de como anda o negócio. Para Aguiar, a terceirização consegue imprimir uma gestão mais “técnica e profissional” por não ter o envolvimento emocional. “Quem vem de fora não tem paixão pelo negócio, mas pelo resultado que ele dá”.

Análise do entorno

O consultor André Aguiar, da Boviplan Consultoria, tem em suas mãos o controle de oito fazendas. Numa dessas propriedades, o gestor aumentou o total de animais de 3.735 para 4.370, acréscimo de 17%. A taxa de lotação, por sua vez, subiu de 0,84 UA/ha para 0,93 UA/ha, alta de quase 10%. Num primeiro momento, os números não chamam tanto a atenção, em especial a taxa de lotação. Por esse motivo, é natural questionar: por que Aguiar não intensificou o sistema para dar um salto de produtividade? A resposta não está no uso da tecnologia, mas na conjuntura local. Na região onde está a propriedade, no oeste do Amazonas, quase não há produção de grãos. As carretas que levam insumos até lá normalmente retornam vazias ou “batendo caçamba”, como se diz, até pelo menos Rondônia, onde são carregadas com grãos, principalmente café, para serem escoadas para outras regiões do País. Por esse motivo o frete é muito caro.

A tonelada de calcário chega na fazenda a R$ 400, enquanto em São Paulo, por exemplo, onde a cotação da arroba é mais alta, o frete fica em torno de R$ 150. “Compro mais caro o insumo e vendo mais barato o produto final. O custo para produzir mais por área fica maior e o lucro por hectare, menor. A intensificação se torna um ‘tiro no pé’”, justifica. Para o gestor, mesmo que a operação se viabilize, a decisão de intensificar ou não deve considerar as características do produtor. “Na gestão terceirizada lidamos com perfis de produtores intensivos, semi-intensivos e extensivos. Tem que identificar o perfil e respeitá-lo”, diz. Para um produtor que não seja “ligado” no mercado de fertilizantes e ração, intensificar talvez não seja uma boa escolha. “A partir do momento em que intensifico, corro o risco de dar menos dinheiro do que no modelo extensivo, por uma razão simples: consigo intensificar a fazenda, mas não o produtor”.

Primeiros passos

A primeira ação do gestor ao assumir a fazenda foi realizar o inventário completo do rebanho. Para isso fez a identificação individual de todos os animais. A segunda providência é o levantamento da área útil de pastagem. “Percorremos todos os pastos, medimos e descontamos as áreas de grotas e igarapés”. Essa radiografia deu lastro para que o gestor pudesse programar as vendas a serem realizadas. “Saber quanto tenho de gado e de pasto dá segurança para me adequar ao momento do mercado. Se estou com sobra de pasto, por exemplo, tenho condições de segurar a venda à espera de uma oportunidade melhor”.

O fato de estar no dia a dia da fazenda também permite que tanto o diagnóstico quanto as tomadas de decisão tenham mais agilidade. “Como consultor tenho uma visão macro do negócio. Como gestor, é diferente. Consigo ir mais a fundo, no detalhe, e agir mais rápido”, diz. Segundo Aguiar, é essencial acompanhar o ganho de peso e o estado das pastagens, para saber se é preciso aumentar ou diminuir a taxa de lotação. Foi desse modo que – contrariando o prognóstico de muitos que acreditavam que a fazenda já estava no limite da ocupação – o gestor conseguiu passar a seca do ano passado com 4.720 animais, alcançando o pico de 0,95 UA/ha em julho. “Sabia que dava para aumentar a lotação, porque tinha a previsão de venda de animais no restante do ano”, diz.

Manejar adequadamente a lotação é uma das tarefas mais importantes do gestor

O gestor, que reduziu o número de colaboradores de 38 para 33 nas oito fazendas que coordena, também busca otimizar a mão de obra. Para isso, quer aumentar o plantel das atuais 7.835 cabeças para 8.500. Dessa forma, conseguirá ter 261 cabeças para cada colaborador – atualmente a relação está em 206. Esse número não é aleatório, mas vem da experiência de Aguiar como consultor em outras propriedades. “Nas fazendas em que eu trabalho, vejo que (a proporção) funciona muito bem”, diz. O know-how do consultor traz um ganho adicional ao trabalho nas fazendas. “É como se o produtor, ao contratar a gestão terceirizada, contratasse a consultoria ao mesmo tempo. Está tudo embutido no pacote”.

Trabalho de zeladoria

O trabalho desempenhado por uma gestão terceirizada não se restringe à busca pela melhoria dos índices zootécnicos e financeiros. É preciso tomar conta da fazenda. Um bom exemplo foi a construção, ano passado, de seis novas casas de funcionários. “Eram feitas de madeira e precisavam ser reformadas. Preferimos desmanchar e construir de alvenaria. Além de serem mais confortáveis, a durabilidade é maior, a manutenção mais fácil e ainda fica mais bonito”, conta. Da mesma forma, Aguiar optou por substituir as pontes de madeira por onde passam os igarapés, que constantemente precisavam ser reformadas, por tubos de concreto. Quem já caminhou numa fazenda ao lado de seu proprietário, daqueles bem cuidadosos, sabe que nada passa despercebido pelo seu olhar. Foi assim quando Aguiar viu que o caibro que sustenta a cobertura de um dos cochos estava quebrado. Pediu providências ao encarregado, virou-se para este repórter e disse: “Eu tenho que tomar conta da fazenda como se fosse minha”.

A relação com a equipe passa por esse entendimento. Segundo Aguiar, embora ele tenha sido apresentado como o gestor, responsável pela propriedade, é no dia a dia que os funcionários aprendem a reconhecer esse papel. Na tela do computador, Aguiar mostra o consumo de sal, em gramas/UA/dia, de cada lote da fazenda. O cálculo é feito pela diferença de estoque, conferido mensalmente. “Se o consumo está baixo, pode ser um problema de falta de sal no cocho. Daí, chamo o capataz para saber o que aconteceu. Quando ele percebe que tudo está sendo controlado, muda a postura e até se antecipa para dizer quando há algo de errado”, diz.

Controle do “capim-navalha” depende do nível de infestação

O capim-navalha (Paspalum virgatum) é uma praga que se espalhou rapidamente nos últimos anos pelas regiões Centro-Oeste e Norte do País. Agressiva, forma touceiras que vão tomando conta da pastagem. Suas folhas possuem cerdas laterais extremamente cortantes, daí a origem do nome “navalha”. Os animais não comem as folhas, mas suas inflorescências, o que dissemina ainda mais a praga. Numa das propriedades gerenciadas por André Aguiar, o combate é feito de duas formas. Quando a infestação é grande e faz-se necessária aplicação em área total, usa-se um herbicida seletivo, sistêmico, à base de imazetapir, que preserva o pasto e combate a invasora.

Formação de touceiras é característica da praga

Em infestações menores, a estratégia é a “catação” ou aplicação localizada. Nesse caso, a fazenda também utiliza o imazetapir. No entanto, há outra espécie de capim navalha, de folhas mais finas e porte menor, que tem sido chamado de “navalhinha” e é mais difícil de combater. “Nesse caso utilizamos o glifosato acrescido com sal de potássio na formulação”, diz o consultor. Segundo ele, o custo para combater a praga é de R$ 312/ha, quando o controle é seletivo e R$ 340/ha, em aplicações em área total. “O ideal é que o combate seja feito na época das chuvas, de preferência com o pasto mais baixo para facilitar o contato do herbicida com a invasora”, afirma.