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Jovens produtoras desistem de arrendar parte das terras à cana e apostam na pecuária intensiva, com projeção de receita superior a R$ 2.000/ha até 2024.

Por Renato Villela

O que faria você deixar de lado sua formação, a estabilidade do emprego, seu modo de vida? Uma nova oportunidade de trabalho, uma chance de imprimir sua marca num projeto pessoal? Corajosamente, as irmãs Caroline (29 anos, advogada) e Bárbara Carvalho (26, jornalista) decidiram interromper suas carreiras para encarar o desafio de gerenciar a Fazenda Arizona, propriedade de 704 ha sediada em Castilho, interior de São Paulo. Na contramão da tendência de avanço da agricultura sobre as áreas de pastagens, principalmente no Estado de São Paulo, as irmãs optaram pelo caminho inverso: retomar terras arrendadas para a cana-de-açúcar e pastos alugados a terceiros para destiná-los à pecuária intensiva.

Foi preciso coragem, mas principalmente muito planejamento. Caroline e Bárbara tiveram o apoio da mãe, dona Glória Carvalho, mas ela exigiu que as filhas buscassem uma consultoria especializada para avaliar a viabilidade econômica do projeto. Afinal de contas, se o retorno financeiro da pecuária fosse menor, não haveria justificativa para trocar a cana pelo boi. Após muita procura, as irmãs chegaram ao consultor Manfred Folz, da Boviplan Consultoria, de Piracicaba (SP). O estudo, realizado pelo consultor em 2018, previa retorno financeiro do projeto pecuário a partir do quinto ano. Os primeiros quatro seriam de investimento, até se atingir a meta projetada para o rebanho.

“A partir do quinto ano é que a pecuária começaria a dar lucro, sempre considerando os cenários de alta e baixa da arroba no ciclo pecuário”, explica Manfred. O prazo estendido exigia, de antemão, paciência por parte das jovens produtoras, que entenderam o recado. “Muitas pessoas se iludem, acham que a pecuária traz retorno rápido. Acho que é por isso que desistem ou nem começam, porque não querem esperar”, opina Bárbara.

O retorno financeiro, contudo, veio antes do projetado, principalmente devido à alta da arroba em 2020, auge do ciclo pecuário. Ano passado, a pecuária “saiu do vermelho” e as irmãs, que não tinham animal algum em 2019, hoje contam com um plantel de 750 cabeças. A receita bruta prevista para este ano é de R$ 4.050/ha. No entanto, como o projeto inicial foi remodelado, como você verá a seguir, os custos de produção subiram. Por isso, a receita líquida ainda não supera o que a propriedade obtém com o arrendamento da cana, que é de R$ 1.711/ha. “Nossa expectativa é de que, até 2024, a gente atinja R$ 2.000/ha com a pecuária”, conta Carol.

Lote de novilhas 1/2 sangue Nelore/Angus. Aquelas que não emprenham são engordadas para abate, recebendo preço de boi-China.

Difícil começo

Até 2018, a cana-de-açúcar reinava absoluta na Fazenda Arizona, ocupando 443 dos 597 hectares de área útil explorada. Para não desfazer-se das instalações (curral, barracão, casas de funcionários, etc), dona Glória manteve 154 ha de pastagens, que foram arrendadas em sistema de exploração extensiva. As áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal somam 106 ha. Quando venceu o contrato de arrendamento das pastagens, o cenário não era muito animador. “A área estava degradada, com muitas invasoras, e as cercas sem manutenção”, relembra Carol.

Sem experiência, mas com o frescor da juventude, as irmãs arregaçaram as mangas e foram à luta, ou melhor, à lida. Por orientação de Folz, começaram reformando as cercas da fazenda. À medida que o arrendatário vendia seus animais, o que consumiu cinco meses no total, Carol e Bárbara se dedicavam ao combate das invasoras nos pastos recém-desocupados. A partir de abril de 2019, já havia espaço para a entrada dos primeiros lotes. Ao mesmo tempo em que reformaram o antigo barracão, pegaram de volta 30 ha antes ocupados pela cultura canavieira.

“Dividimos essa área em 10 piquetes e construímos a praça de alimentação, com bebedouro e cochos de sal centralizados. Foi o primeiro rotacionado que fizemos na fazenda”, recorda Bárbara. Ao final de 2019, o plantel já somava 400 fêmeas. No ano seguinte, mais 120 ha de cana foram devolvidos pela usina. “A ideia era trabalhar com recria/engorda a pasto, em sistema intensivo, já que, no extensivo, não seria possível competir com a cana”, afirma. O projeto caminhava de vento em popa. As compras de gado prosseguiram na virada de 2020, mas a partir de março, no início da pandemia, a cotação da arroba disparou (aumento de 53% entre fevereiro de 2020 e fevereiro de 2021), puxando consigo os preços do gado magro, o que inviabilizou a reposição. “Não tínhamos capital para investir. Paramos de comprar”, relata Carol.

As primeiras impressões da pecuária

O breve tempo em que as irmãs Bárbara e Caroline estão à frente da Fazenda Arizona já trouxe muitas mudanças em suas vidas. Produtora e apresentadora de programas de rádio, Bárbara logo se deparou com a rotina multifacetada de uma fazenda. “A gente tem que saber um pouco sobre agronomia, veterinária, mecânica”, diz. A troca do estúdio pelo campo lhe rendeu não apenas um “aprendizado constante”, mas aguçou sua sensibilidade para observar nuances que antes passavam despercebidas. “Na cidade, a gente pede para não chover, porque é um transtorno, atrapalha, o trânsito fica um caos. Na fazenda mudei o conceito. Com a chuva tem mais alimento, mais pasto, a natureza agradece”.

Carol, por sua vez, sentiu-se confortável ao deixar de lado a formalidade da advocacia para abraçar a pecuária, mas se surpreendeu com as dificuldades que encontrou ao pisar no campo. “Gosto de desafios, é o que me move, mas não sabia que seria tão difícil. Tem a parte contábil, jurídica, as questões técnicas, a gestão de pessoas…”, enumera. Apesar de muito jovens, as irmãs já demonstram, no comportamento, atitudes típicas de produtores veteranos, zelosos de cada detalhe. Ao passar por uma cerca em reforma, Carol parou a caminhonete e desceu para retirar um fio de arame esquecido no meio do corredor da praça de alimentação. “Disse que era para enrolar e não deixar jogado no chão”, comentou, incomodada. Satisfeitas com a nova vida, as duas sabem que têm uma longa trajetória pela frente. “Pecuária é amor, trabalho e paciência”, sintetiza Bárbara.

Da recria para a cria

Sem dinheiro para adquirir animais, o consultor Manfred Folz sugeriu que as irmãs inseminassem as fêmeas do plantel para vendê-las prenhes a criadores, uma forma de agregar valor à produção. A ideia parecia boa e assim foi feito. Em outubro de 2020, as novilhas entraram na estação de monta. No ano seguinte, contudo, bem na hora de vendê-las, novo contratempo. “Ninguém queria nos pagar preço de vaca prenhe”, conta Carol. Para não ficarem no prejuízo, as irmãs decidiram segurar as fêmeas na fazenda.

As primeiras matrizes pariram em agosto de 2021, quando entrou em cena uma variável não-econômica, mas que costuma figurar na equação da atividade: paixão. “Começaram a nascer esses bezerros maravilhosos, coisa mais linda”, derrete-se Carol, olhando para as crias 1/2 sangue ao pé das vacas. Percebendo o encantamento natural das jovens produtoras pela cria, Folz, que é consultor, mas também desempenha um papel de tutor, fez-lhes um alerta: “É muito difícil conduzir uma fazenda de cria, ainda mais numa área relativamente pequena”. A venda dos primeiros bezerros, desmamados aos 245 kg, em abril-maio deste ano, somada à dificuldade de encontrar animais de reposição no oeste paulista, dissipou, contudo, qualquer incerteza quanto ao caminho a trilhar. As irmãs aderiram de vez à cria.

Como se sabe, uma transição assim não é simples e exige mudanças significativas na infraestrutura. Responsável por coordenar a reprodução e preocupada com o bem-estar animal, Bárbara logo percebeu que o antigo curral, com um tronco de contenção inadequado, teria de ser trocado. “Montamos um novo curral, com base em conceitos de baixo estresse, fundamental para inseminar as fêmeas, além de garantir segurança para a equipe e os animais”, relata.

No Curral da fazenda e creep feeding com cobertura para maior conforto dos bezerros

Vacas no rotacionado

Dos 301 ha de pastagem atuais, 154 ha são explorados de modo intensivo. São quatro módulos de 30 a 40 ha cada, formados com capins Mombaça e Mavuno. Cada módulo é dividido em 10 piquetes. Durante as águas, o período de ocupação é de um a dois dias. Os rotacionados são reservados a duas categorias: matrizes com cria ao pé e fêmeas que não emprenham na estação de monta, realizada entre os meses de outubro e dezembro. “As vacas prenhes com bezerro ao pé precisam de uma atenção maior na nutrição”, diz. No caso das vacas vazias, o objetivo é acelerar o ganho de peso para que possam ser abatidas em maio. “É nossa estratégia para aliviar a lotação, porque, daí para frente, começa a seca”, completa Carol.

A taxa de lotação dos módulos de rotacionado intensivo nas águas é de 4 UA/ha. Nessas áreas, é feita a seguinte adubação: 120 kg de ureia/ha nos módulos de Mombaça e 150 kg de ureia/ha nos piquetes de Mavuno, onde são alojados principalmente as fêmeas para engorda. São realizadas três aplicações, uma em novembro, outra em dezembro e outra em fevereiro, dependendo do volume de chuvas. Uma vez por ano, são colhidas amostras de solo para monitoramento de fertilidade. As áreas extensivas ou de reserva ficam sob baixa lotação, visando criar reserva forrageira para uso na seca.

Durante esse período, a lotação na fazenda toda cai para 1,4 UA/ha, porque diminui a oferta forrageira, especialmente dos capins do gênero Panicum. Em função disso, alguns piquetes do rotacionado são abertos, aumentando o espaço para pastejo. Além disso, os animais ocupam os 147 ha de pastagens não adubadas (Braquiarão e Braquiária humidicula), que foi reservada para a seca. Os animais recebem ainda silagem de milho, cultivada em pastos estratégicos, que precisam ser reformados. A partir deste ano, também está sendo plantado o capim Capiaçu.

“Reservamos a silagem principalmente para as vacas que entram em reprodução em outubro e, por isso, precisam estar em bom estado corporal”, comenta Bárbara. Além disso, o volumoso é fornecido para as fêmeas de recria que a fazenda compra para fazer a recomposição de plantel. “Essas novilhas normalmente chegam pesando menos do que as criadas na fazenda. Por isso, precisam ganhar peso para entrar juntas na estação de monta”, complementa Carol. Fêmeas Nelore são inseminadas com sêmen Angus e as meio-sangue Angus, com Nelore.

Abram alas, lá vão elas.

A despeito de ter se direcionado à cria, o projeto pecuário da Fazenda Arizona não se caracteriza pela busca incessante de melhores índices reprodutivos, como era de se esperar. Para se ter uma ideia, as fêmeas na estação de monta são inseminadas até duas vezes no manejo da IATF, mas não há repasse com touros. A justificativa está no mercado. “As novilhas que não emprenham vão para o abate com menos de 30 meses, dentro do padrão do ‘boi China’, recebendo bonificação sobre o valor da arroba. Por isso, não estamos muito preocupados em atingir altos índices reprodutivos”, explica Folz. Para aumentar o retorno financeiro, a fazenda tem abatido fêmeas acima dos 420 kg, com rendimento de carcaça entre 52%-53%.

A ideia das irmãs é engordar e abater também os machos 1/2 sangue, que hoje são vendidos à desmama. “Queremos fazer um semiconfinamento”, conta Carol, para logo na sequência emendar uma narrativa que talvez soe familiar a quem está lendo esta reportagem. “Tenho de esperar. Neste momento, não posso investir em infraestrutura, porque preciso segurar os gastos por todos os lados”, diz, num misto de comedimento e resignação. Com a “cabeça nas nuvens e os pés no chão”, as irmãs sonham em produzir carne de qualidade e chegar até as gôndolas. “Queremos ter uma boutique de carne, para poder mostrar ao consumidor que o alimento adquirido por ele vem de uma fazenda onde se respeita o meio ambiente e o bem-estar animal”, diz Bárbara. “É o nosso maior sonho”, completa Carol.