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COMO REDUZIR A EMISSÃO DOS GASES DE EFEITO ESTUFA?
ESPECIALISTAS APONTAM CAMINHOS PARA DESCARBONIZAÇÃO DA PECUÁRIA

JOÃO PAULO MONTEIRO
joao@ciasullieditores.com.br

As mudanças climáticas são reais e a descarbonização veio para ficar”. Essa frase, do chefe Geral da Embrapa Pecuária Sudeste, Alexandre Berndt, gera muitas reflexões e é o ponto de partida para esta reportagem.

Os consultores Thaís Passos e Silvino Moreira, do Rehagro, concordam com a afirmação e completam: “À medida que os consumidores se tornam mais conscientes, os produtos com pouca sustentabilidade têm cada vez menos lugar no mercado”.

Rodrigo Paniago, consultor da Boviplan, segue pelo mesmo caminho: “A recusa pela compra de produtos agropecuários que não atendem às demandas ambientais já é realidade na pecuária. Vários frigoríficos estão implantando essa prática e a tendência é aumentar a pressão nesse sentido”.

Fica claro, portanto, como o assunto avança a passos largos dentro do agro e hoje as discussões se apresentam de forma madura e racional. O tema, porém, nunca foi o problema, contudo, a tentativa de criminalização da produção de alimentos foi um erro estratégico, opina Rodrigo: “Só provocou a reatividade do produtor ao diálogo, atrasando ainda mais a evolução do desenvolvimento sustentável”.

Ou seja, ao invés de engajar o produtor no debate, houve um amplo movimento no sentido de fazer dele um vilão do meio ambiente, gerando, assim, um ruído desnecessário.

Na visão do consultor da Boviplan, promover a sustentabilidade na produção de alimentos é buscar a eficiência no campo. “E essa é uma constante na trajetória de qualquer produtor rural, pois todos almejam maior produtividade”, determina.

Existem, é claro, normas para a regularização além de aumento na eficiência da produção e que levam a investimentos em infraestrutura, os quais muitas vezes não geram retorno econômico direto. “Neste caso, os médios e pequenos produtores têm maiores dificuldades, muitas vezes nem dispõe de capital para contratar um técnico para ajudá-los na regularização”, reconhece Rodrigo.

Contudo, muitas práticas sustentáveis não aumentam e, na realidade, reduzem custos, reforçam os profissionais do Rehagro. O plantio direto, exemplificam Thaís e Silvino, é uma ação prática em direção à descarbonização da cadeia produtiva e já amplamente difundido e praticado. “Grande economia de combustível, uso mais eficiente da água, proteção do solo pela palha e redução da erosão e melhor manejo de pragas, plantas daninhas e doenças, quando em conjunto com a rotação de culturas”,
são alguns dos benefícios elencados.

Estimativas apontam o Brasil como o maior detentor de áreas cultivadas sob o sistema de plantio direto no mundo, algo entre 30 a 40 milhões de hectares.

Outro exemplo de prática nesta direção é a inoculação das sementes de soja com bactérias fixadoras de nitrogênio. “Reduz a necessidade de adubos nitrogenados, o que já acontece em praticamente 100% da soja brasileira”, acrescentam os profissionais do Rehagro.

“No Brasil, muitas práticas regenerativas, tais como a rotação/sucessão de culturas, o sistema de plantio direto e a construção da fertilidade do perfil do solo já são amplamente adotadas na produção de grãos”, analisam. No entanto, considerando agora a produção pecuária, o cálculo da emissão de equivalentes de carbono não é simples e nem exato. “Há estudos que estimam ser possível produzir proteína animal emitindo volumes de gases de efeito estufa que o próprio sistema produtivo consegue reabsorver. Para isso, é preciso que a atividade seja a mais integrada possível com a produção agrícola”, afirmam os consultores do Rehagro.

O que isso quer dizer? Os especialistas sintetizam: “Juntas, a pecuária e a agricultura se beneficiam mutuamente: os resíduos do consumo dos animais podem ser compostados e retornar às lavouras; enquanto os subprodutos da lavoura podem ser usados na alimentação dos animais”.

Atualmente, há grandes propriedades de produção de grãos isoladas e afastadas das grandes fazendas de produção animal. “Isso faz com que os grãos sejam transportados a longas distâncias até serem fornecidos aos animais, fazendo também com que os dejetos dos animais, ricos em nutrientes, não sejam transportados para fertilizar as lavouras distantes”, explicam.

Deste modo, quanto mais próximos geograficamente, menos combustíveis fósseis são queimados. “Isso faz uma diferença enorme na emissão de gases de efeito estufa”, pontuam.

Portanto, esse sistema linear deve se tornar circular, opinam: “Os resíduos precisam retornar ao solo onde os alimentos são produzidos. No Brasil, os sistemas de integração lavoura- pecuária estão crescendo, porém, a agricultura regenerativa ainda precisa de mais apoio técnico e político para ser adotada em maior escala”.

Neste sentido, transformar a agropecuária brasileira de maneira linear para circular leva tempo e envolve custos. “As práticas que não geram benefícios diretos aos produtores, como as relacionadas à emissão de gases de efeito estufa, por exemplo, talvez precisem de outros incentivos, a fim de serem adotadas realmente”, consideram.

Uma possibilidade levantada pelos consultores é a criação de um selo de Agricultura Circular. “Os consumidores devem assumir uma parte dessa responsabilidade, de alguma forma”, completam.

DENTRO DA PORTEIRA. As chamadas tecnologias “limpas” são capazes de reduzir significativamente a emissão de gases de efeito estufa. Um exemplo é o próprio sistema de plantio direto; além de diminuir o uso de combustíveis fósseis, também contribui para o sequestro de carbono da atmosfera devido ao aumento da matéria orgânica nas camadas mais superficiais do solo. “Sem falar na inoculação de bactérias fixadoras de nitrogênio nas sementes de soja, que praticamente elimina a necessidade de adubos nitrogenados”, completam Thaís e Silvino.

Porém, é sempre importante lembrar que, em geral, o aumento da produtividade já é um bom caminho para a sustentabilidade. “Produzir mais proteína por animal, mais nutrientes por área, mais biomassa por litro de combustível utilizado, mais leite por equivalentes de carbono emitidos. Basicamente, produzir mais usando menos e emitindo menos”, destacam os profissionais do Rehagro.

Eles continuam: “Se a intensificação da produção requer mais insumos e energia, como prover sem usar tanto combustível fóssil? Algumas alternativas são o biogás, o biodiesel, a energia solar e a energia eólica, que são viáveis em grande parte do País”.

Rodrigo corrobora: “Especialmente no campo, a demanda por combustível fóssil pode ser substituída por fontes renováveis, reduzindo a dependência. E aponta: “Já existem fazendas pecuárias utilizando o biometano produzido dentro da propriedade, assim como o uso de energia solar é muito comum”.

Entretanto, não existe uma regra geral a ser seguida. “Cada operação tem particularidades com demandas e limitações distintas”, reconhecem os consultores do Rehagro e continuam: “Utilizar as ferramentas disponíveis da melhor maneira possível é o segredo para obter
obter os melhores resultados possíveis dentro de cada realidade”.

Neste cenário, uma visão holística do sistema produtivo é imprescindível. “Nenhum fator isolado é mais importante que o outro. A sustentabilidade depende da nutrição, sanidade, genética, manejo e do aproveitamento de recursos, dentre outros”, concluem.

Logo, uma pecuária sustentável é possível. “E temos até um protocolo nacional de produção pronto, que pode ser implantado de imediato para que isso ocorra”, recorda Rodrigo.

Além da “Carne Carbono Neutro”, da Embrapa, existem outras diversas alternativas tecnológicas para melhorar o balanço do carbono na produção pecuária, continua o consultor da Boviplan. “Desde aditivos nutricionais, passando por melhoramento genético, bioinsumos e até processos de manejo de pastagens”, elenca.

Na visão do profissional, protocolos de produção devem ser elaborados seguindo os princípios de busca pela sustentabilidade; mas, os sistemas de produção e as tecnologias podem variar de acordo com o bioma.

É preciso reforçar que a heterogeneidade existe também entre os produtores, complementa: “Uma mesma propriedade, na mão de cinco produtores diferentes, terá cinco resultados diferentes. Por isso, a capacitação deve ser um dos pilares das estratégias do desenvolvimento sustentável. Não há falta de tecnologia sustentável, há desconhecimento dentre os produtores na forma como usá-las”.

A questão é clara: a tecnologia funciona se for aplicada corretamente e nem sempre terá a mesma eficiência em todas as propriedades. “Também existem variáveis edafoclimáticas, que por si só já limitam ou favorecem a aplicação das tecnologias”, assinala o consultor e prossegue: “Assim como não é justo definir um protocolo genérico para o Brasil, não seria efetivo estabelecer uma meta única para o balanço de carbono da pecuária brasileira”.

Um dos princípios básicos é lembrado por Rodrigo: “O máximo da intensificação já não é sustentável do ponto de vista econômico; nem sempre a maior produtividade gera a maior lucratividade”.

Por outro lado, o uso crescente de tecnologia, sejam processos ou insumos, permite à atividade uma redução da pressão sobre o desmatamento na tarefa de produzir alimentos e, desta forma, melhora o balanço do carbono e, por consequência, a eficiência produtiva.

Para o consultor, a oportunidade mais significativa para a pecuária brasileira está no uso mais racional das pastagens. “Ao mesmo tempo se reduz custo com reformas, reduz emissão de gases do efeito estufa, aumenta biodiversidade, protege o solo, melhora infiltração da água no solo e, ainda, possibilita maior lotação e até desempenho de ganho de peso”, argumenta.

Já a nutrição, segundo Rodrigo, se apresenta como o caminho mais rápido para a obtenção de ganhos, por meio de suplementos proteicos e energéticos. “Ajudam a acelerar o processo de produção e, aliados com aditivos adequados, reduzem de forma contundente a emissão de gases de efeito estufa da eructação dos bovinos”, justifica e confirma: “Como se trata de tecnologia de produto e encontra-se num nível de maturidade avançado, a suplementação a pasto é uma tecnologia de baixo custo e ótima velocidade de disseminação”.

O consultor, porém, deixa uma ressalva: “É no conjunto da obra onde teremos ganhos sinérgicos que nos farão ir além. As ações do produtor rural devem ser sistêmicas para que os objetivos possam ser alcançados”.

E ainda, destaca: “Quanto maior a produtividade, mais intensiva deve ser a gestão do negócio”. Como esclarece o profissional da Boviplan, tecnologias de gestão e softwares são fundamentais para ajudar no monitoramento e planejamento da atividade.

Justamente pois, na visão do especialista, a transferência de tecnologia é o maior desafio hoje no campo, visto que apenas ações pontuais não bastam. “É preciso estimular à assistência técnica continuada tanto na área de produção como na de gestão”, reforça.

Como discorre Rodrigo, existem inúmeros casos exitosos na pecuária brasileira onde este tipo de suporte foi realizado; então, basta replicá-los. “O cooperativismo, que ainda é muito incipiente entre os produtores brasileiros, também é uma excelente oportunidade para dar sustentabilidade aos médios e pequenos produtores, que são a maioria em nosso País”, acrescenta.

Mesmo assim, é evidente como o esforço da academia e da indústria em disponibilizar tecnologias para a produção sustentável da pecuária no Brasil é de grande sucesso. “Mas, sem resolvermos a capacitação continuada, estaremos aumentando o rol de tecnologias represadas, com baixa adesão, subutilizando o nosso fator- chave de maior importância, os produtores rurais”, encerra Rodrigo.

A ROTA PARA EMISSÃO ZERO DE GASES DE EFEITO ESTUFA

Visando apoiar o setor produtivo rumo a uma produção pecuária de baixa emissão de carbono, a Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável (GTPS) elaborou diretrizes e práticas para dentro da porteira e as apresentou em outubro, durante um webinar.

Diversas etapas compõem esse caminho, que dura até dez anos, como controle sobre insumos, gastos, entradas e saídas, uso de energia e combustível, sanidade, gestão da propriedade com ferramentas/ softwares de monitoramento de dados com geração de indicadores e até mesmo financiamentos, dentre outros.

A ambição do GTPS é que “todos os membros do setor produtivo possuam inventário de emissões de gases do efeito estufa das propriedades rurais, apresentem um plano de redução de emissões em andamento e que sua progressão seja reportada anualmente”.

A iniciativa contou também com a criação de termos de compromisso. “Não é punitivo, tampouco implica riscos para os membros associados do GTPS, mas cria um ambiente de responsabilização e compromisso no combate às mudanças climáticas”, destaca o documento.

O material completo e o próprio webinar estão disponíveis online, em gtps.org.br.